A internet com suas mídias e redes sociais tornam cada vez mais fácil reunir pessoas com orientações espirituais em comum, criando grupos acessíveis e que são muito úteis para que outras pessoas, fora do grupo, possam vir a conhecê-lo e tornar-se parte dele. Sendo a espiritualidade tão rica e diversificada como é, surgem cada vez mais grupos de orientações novas e antigas, abrindo um leque cada vez maior de possibilidades para nós explorarmos. A prática de buscar conhecer um pouco de cada uma dessas orientações espirituais, ou ao menos uma grande parte delas, é conhecida como Turismo Espiritual. Essa prática tem suas vantagens, mas pode estar escondendo uma terrível armadilha.

                  Eu nasci nos anos 90, peguei o início da explosão do uso da internet aqui no Brasil, numa época em que um microcomputador era artigo de luxo e os vizinhos pediam pra vir aqui em casa fazer os trabalhos escolares e usar a impressora, ou então salvar o trabalho em um disquete. No começo ainda era relativamente difícil encontrar bons sites sobre ocultismo, mas já havia alguns muito bons em língua portuguesa. Só depois é que ficou cada vez mais fácil fazer sites, e com a popularização de páginas pessoais (como o MySpace, Flogão, Blogger, etc) as pessoas começaram a dividir mais de suas visões e orientações, evidenciando essa diversidade gigantesca ao usuário comum (como eu, que não sabia muito a respeito de ocultismo, só das revistinhas do João Bidu que tinha nas bancas, ou, se eu desse muita sorte, encontrava algo legal nas livrarias e sebos). Pois é, a gente tinha que procurar livros físicos, pagar por eles, e daí sim ler de verdade, porque a nossa cultura brasileira não é muito dada à bibliotecas, não é mesmo? Me lembro que só entrei numa biblioteca pela primeira vez aos quatorze anos, então o negócio era se arriscar pagando por algo que você ainda não conhecia.

                  A internet possibilitou uma coisa inédita até então: um catálogo acessível, gratuito e rápido para consulta de centenas de sites esotéricos cheios de textos sobre o assunto, alguns indicando livros ou revistas que valiam a pena comprar, era só buscar no Google (ou no “cadê”, “aonde” e “yahoo”, cada qual mostrava um grupo diferente de resultados que se complementavam).

                  Essa facilidade toda integrou muito mais as pessoas em busca da compreensão espiritual/ocultista/esotérica, e quando as redes sociais como os fóruns, Orkut e facebook se consolidaram ficou ainda mais rápido e eficiente entrar em contato com essas pessoas. Foi assim que eu comecei na Wicca (assunto abordado pela maioria dos sites que eu conhecia), e fui conhecendo várias vertentes espirituais (Kemetismo, budismo, taoísmo, satanismo, luciferianismo, cabala, hoodoo, new age, chaos magic, thelema… não sei nem dizer quantas mais… até que encontrei o Hermetismo e fiquei por aqui mesmo desde então).

                  Cada vertente nova que eu conhecia expandia minha prática espiritual pra novas direções, e fui tentando fazer essas vertentes conversarem entre si na minha cabeça, de forma que eu tive que ir descartando coisas que eu sentia que não faziam sentido pra mim, coisas que me pareciam falsas, ao mesmo tempo que eu ia agregando coisas novas e que me pareciam mais verdadeiras, afinal como eu poderia acreditar em um monte de coisas que conflitam entre si? Isso é questão de lógica.

                  Eu sou muito grato por ter nascido neste momento, de ter podido encontrar (e ainda encontro!) novas vertentes que me enriquecem muito e pessoas maravilhosas pra discutir a respeito comigo, mas observando o fluxo natural do nosso Universo fica óbvio que tudo evolui, e se a espiritualidade com suas múltiplas facetas ficou mais fácil de conhecer, também tornou-se mais sofisticada a gama de desafios a superar em nossa Jornada Espiritual.

                  Eis que surge o lado negativo desse Turismo: não demorou muito pra que eu percebesse que eu sabia um pouco de tudo mas muito sobre nada. Não estou aqui sendo soberbo ou vaidoso ao dizer “saber muito”, mas acho que vocês entendem do que eu estou falando. É como se eu fosse um aluno que sabia um pouco de todas as matérias escolares mas não conseguisse usar esses conhecimentos para nada, o pouquinho que eu sabia de química não me permitia saber fazer uma pilha simples, o pouquinho que eu sabia de matemática não me permitia saber a área total de um espaço, o pouquinho que eu sabia de história não me permitia saber ao certo o que foram as guerras mundiais… ou seja: Eu sabia um pouco de várias vertentes, mas o pouco que eu sabia não me permitia usá-las para algo útil. Eu tinha todas as chaves, mas não fazia ideia de onde estavam as portas.

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                  Foi aí que eu entendi que as coisas feitas dessa maneira (sem uma direção, sem uma certa dose de controle) me prenderiam numa torrente de informação intelectual e inútil, me deixando confuso entre livros e mais livros, e por não ter conhecimento prático, ou muito pouco dele, eu me tornaria hiper-intelectual e arrogante, achando que sei mais do que todos os demais quando na verdade seria apenas mais um adormecido, em um sonho profundo cheio de Dogmas (no Corpus Hermeticum, Hermes se refere a isso como estar no Pântano de Papiros).

                  Através dessa percepção é que ficou tudo muito óbvio: agora que eu tinha tanta base, tinha visto tanta coisa, era o momento de me consolidar em uma direção específica. Isso não quer dizer que as pessoas precisam escolher uma vertente e seguir dogmaticamente até o fim da vida… A prática espiritual está justamente na exploração e observação do nosso Universo, o que eu realmente estou querendo dizer é: Pare de simplesmente armazenar informação. Dê uma direção real para todo esse conhecimento. Não fique preso a Dogmas, saiba equilibrar aquilo que você sente que deve preservar com a sua liberdade de se transformar, ou seja, os Dogmas só devem permanecer Dogmas enquanto fizerem sentido para você, seja uma pessoa PRAGMÁTICA ao encontrar o novo, reflita sinceramente sobre tudo o que lhe for apresentado, e daí então decida se isso pode vir a incorporar suas crenças (dogmas pessoais) e se isso implica em ter que se desfazer de dogmas antigos que agora perderam a utilidade.

                  No Zen Budismo há um ditado muito polêmico para quem não o compreende: “Se você encontrar Buda no caminho, mate-o’’. O “Buda” desse ensinamento é uma ilusão. É a personificação daquele apego da imagem do que a pessoa acredita ser Buda (aquele ser perfeito, lindo, que não erra nunca, não tem necessidade de nada, não é abalado por nada…). A partir do momento em que você acredita que se tornou perfeito, caiu em uma armadilha, pois o que é perfeito não evolui, e assim você permanecerá estagnado, sem passar deste ponto. É a última armadilha do nosso eu-inferior. Por isso cuidado: você pode achar que sabe muito porque sabe um pouco de tudo, quando na verdade não sabe de nada, apenas decorou um monte de sinopses de livros que nunca leu completamente.

Não fique apenas acumulando as chaves, comece a abrir as portas.

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